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O labirinto do sarcófago impenetrável

  • Foto do escritor: Jota
    Jota
  • há 19 horas
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 25 minutos

“Privilégio será das múmias ressuscitarem antes do juízo final. E, se o é, já não estranharei ver ressuscitadas tôdas as múmias do mundo. (Ruy Barbosa em 1914)”


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O brilhante Alberto Torres dizia que o Brasil dividiu-se em dois mundos: dos intelectuais e governantes, onde ambos reproduziram o diletantismo e o pessimismo como um terreno fértil de ideias. Torres também argumentou que essa jornada se chamava a “ascensão ao cume da fantasia”, onde os mais diversos intelectuais digladiavam-se em cenáculos literários e nas academias, repetindo, em nosso meio carente e virgem de estudo, as mesmas retóricas advindas do outro lado do Atlântico.


Enquanto isso, a vida se deu em sentido prático, fatídico, erguida por homens práticos, ordenada por engrenagens feudais e um sistema argentário, coroando a soberania dos reis das indústrias e dos negócios em um resto de caudilhismo e dominação sem precedentes, mais precisamente em “círculos uninominais”, nomenclatura repetida pelo jurista Ruy Barbosa em diversos discursos.


Sejam os “círculos uninominais” de Ruy, os “medalhões” de Machado de Assis ou os “pergaminhos” de Lima Barreto, todas as referências são condizentes com as benesses das múmias, todas as vozes ecoam fora das catacumbas e todos os títulos se cultivam para o post-mortem.


Veja, pause as referências para um momento de anti-intelectualismo, “as múmias” são metáforas do discurso mais emblemático de Ruy no Senado Federal em 30 de dezembro de 1914.


Após uma discussão acalorada com os Senadores Antônio Azeredo e Pinheiro Machado, o jurista baiano proferiu as seguintes palavras utilizando a múmia como expressão tranquila da vida e morte alheia aos anseios sociais:


“A morte é a expressão final da insanabilidade; a múmia, a expressão tranquila e definitiva da morte. O cadáver ainda tem rigidez nos tecidos, movimento na decomposição. Nas múmias a morte coagulou inerte, imutável, com os atavios, as honras, as pompas da grandeza e do império, em corpos vazios d’alma, no aspecto dos quais só resta da vida uma perfeita e visível mentira. Tais, na importância da sua majestade, da sua majestade extinta e embalsamada, os poderes, que abdicam, sem se demitirem, os parlamentos, que se escravizam, sem se dissolverem. Durante quatro anos a palavra bateu aqui como martelo na solidão tumular das catacumbas. Só o eco das criptas silenciosas respondia aos gemidos, aos clamores do sofrimento nacional (...)”

E finalizou o embate com:


“Desde que eu soube, pelo nobre senador, que a múmia de Sesóstris mexera com o dedo, já me não admirarei de que a múmia de Sesóstris mexa com o corpo e que o cetro do Egito volva às mãos da múmia de Sesóstris. Privilégio será das múmias ressuscitarem antes do juízo final. E, se o é, já não estranharei ver ressuscitadas tôdas as múmias do mundo.”

Em síntese, temos a caracterização dos personagens do discurso, a múmia sendo a representação de um personagem da elite, Sesóstris fazendo menção ao segundo faraó da XII dinastia egípcia, o sarcófago sendo a sua casta, os ecos sendo o sofrimento que não encontra acolhimento humano, apenas ressoa no vazio da morte.


Contextualmente, a indignação de Barbosa foi direcionada à imortalidade das antologias, demonstrando que a gênese das candidaturas e dos partidos que compuseram o início da Primeira República Brasileira apenas refletiam as benesses do Império.


As portas do labirinto


As entradas do labirinto são as mesmas desde os primórdios do sistema parlamentarista. O sarcófago permanece intacto, o caminho do labirinto, recheado de materialismo e inimigos internos, é a perdição da burguesia, garantindo a tranquilidade da reencarnação das almas que ocupam o centro desde impérios passados.


Os novos homens do governo, mesmo adentrando no labirinto, ocupando o primeiro sistema de Alberto Torres, são distraídos nas curvas do caminho, esquecendo de pôr fim na maldição das 9 gerações.

Isso se deu porque todas as ideologias nasceram no Brasil sem potência intelectual (i.e. sem caminho).


Pontes de Miranda, ao analisar a Constituição de 1934, mostra que o termo mais incluso nos debates, a “democracia”, não deu à luz no Brasil: é um aborto.


Tal argumento se sustenta no fato histórico de ter havido um abismo entre a Constituição de 1824, a de 1891 e a de 1934, esta que impôs a primeira abordagem de um regime democrático.

Não havia, até esta época, nenhuma organização ideológico-partidária no Brasil com solidez. Criaram-se partidos para preencher a lacuna que surgira, esses partidos representavam uma opinião que nunca existiu.


“Os que defendem a democracia liberal e os que a atacam por vezes não sabem o que é que defendem e o que é que atacam. Porque não precisam os dois conceitos: Democracia, Liberdade. O Brasil ainda terá outras oportunidades de optar entre o fascismo, o tipo russo e um tipo seu.”

Gerando a seguinte divisão: de um lado, liberais que nunca figuraram no plano econômico, apenas traduziam obras de teóricos estadunidenses e ingleses e reproduziam seus jargões; do outro, socialistas que surgiam para reproduzir a obra de europeus.


Ambos não tinham causas sólidas e comuns em âmbito nacional, pois não compreenderam que o terreno brasileiro dependia de um “resto de monarquia” e de um caudilhismo que não mudou no costume e nos cidadãos, em seu caráter dominante.


Todos caminham à perdição nesse labirinto ao reproduzir a mesma rota tantas vezes percorrida.


O Curupira como a figura do Quíron


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Na mitologia grega, a figura de Quíron simboliza o paradoxo do mentor invisível, permanecendo no imaginário dos heróis, dando um propósito racional para as suas paixões e anseios.


No Brasil, tivemos a figura mitológica do Curupira como um fenômeno ideológico encabeçado através dos gênios Menotti Del Picchia, Plínio Salgado e Miguel Reale. Para além dos esforços artísticos do Modernismo, a lenda era uma figura de subversão contra a perdição da burguesia frente aos dilemas sociais importantes.


Para divergir da fantasia de ascensão ao cume da verdade das ideologias, o Curupira não pode se condicionar ao pensamento ideologizado. Diferente dos seus “semelhantes”, fala para o homem prático, o proletariado, sobre os caminhos para a derrubada do sarcófago através do único elemento possível: o abandono das teses para além do mar.


O Plínio dizia que o Curupira representa os “pés no chão” do Brasil, escondendo-se na mata fora da imersão litorânea da falsa “colonização intelectual”. Não pelo seu caráter ignorante, mas pelo abandono ao significado de “falsa consciência” trazido por Sérgio Buarque de Hollanda, resultado da dialética do “universalismo oligárquico”.


O homem com os pés para trás confundiria os movimentos daqueles que desejam ingressar no labirinto utilizando os mesmos mapas coloniais, enfrentando os monstros imaginários que são, como obsessores, distrações das próprias elites para todos os ingressantes do jogo.


O Plínio mencionava através do movimento artístico do verde-amarelismo sobre a espera pela caminhada do Curupira em direção ao Sertão, afastando-se do Atlântico e, por consequência, das “influências externas”. Dada as devidas ressalvas, haja vista o elevado grau de admiração pelo autor, o povo colonial serviu como aspecto fundamental para nosso país.


Seria possível pensar no Curupira evitando entrar nos caminhos da perdição, levando as almas para transitarem entre a imensidão do mar e a imensidão da mata, unindo-as por fios invisíveis, para, só assim, pôr fim nas estruturas e derrubar as paredes do sarcófago.


Os “fios” supramencionados também são conectados por raízes colonas, na arquitetura, na língua, no cotidiano, etc., tornando o trabalho do Curupira gigante, transformando os mais novos em vanguardeiros ou pioneiros, não só como se formava a Ação Integralista Brasileira em uma organização pré-Estado, direcionado-os e tomando um pilar exotérico e espiritual.


Autor: @jotazzi

 
 
 

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